Wellington Farias

A prisão não são as grades; a liberdade não é a rua. Existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência." Gandhi

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Local: João Pessoa, Paraíba, Brazil

Leto de "seu" Sales e "dona" Ceiça. Nascido em Serraria, no Brejo da Paraíba, em 1956.

7/01/2006

Outro jornalismo é possível - Le Monde no Brasil

Le Monde Diplomatique: porque as sociedades têm o direito de compreender em profundidade o mundo

Publicado em 23 idiomas e em 34 países, o Le Monde Diplomatique inaugura, neste 23 de maio, uma nova edição brasileira eletrônica. Disponível no UOL, o portal latino-americano de maior audiência, ela foi inteiramente transformada, do ponto de vista gráfico – e tem novidades editoriais muito relevantes. As mudanças são parte de um projeto necessário: lançar, ainda em 2006, uma edição brasileira impressa; constituir uma rede de colaboradores, que permita oferecer um novo ponto de vista também sobre os problemas nacionais; fazê-lo de modo participativo, com base na mobilização de pessoas e instituições da sociedade civil.

Tais objetivos se entrelaçam, é claro, com a idéia de que outro país, e outro mundo, são possíveis. Lançado em 1954, na França, o Le Monde Diplomatique transformou-se, ao longo do tempo, em referência de jornalismo crítico e profundo. Mas esta identidade foi reforçada – e, num certo sentido, reinventada – a partir da década de 1990, graças à postura marcante que o jornal adotou diante da globalização. Enquanto a imprensa, cada vez mais associada ao poder econômico e domesticada, procurava convencer as sociedades de que se tratava de um processo natural e inevitável, Le Monde Diplomatique dedicou-se, quase solitariamente, a examiná-lo.

Ao lado da nova cidadania planetária...

No jornal, o fenômeno foi desnaturalizado: vista a partir de muitos ângulos, a globalização perdia sua aura de algo espontâneo ou neutro: de “sinal dos novos tempos”... Nossas investigações deixavam claro que ela havia sido desencadeada a partir de decisões políticas muito concretas (por exemplo, a desregulamentação dos mercados financeiros). Demonstravam, além disso, que atendia aos interesses de alguns grupos sociais muito minoritários (ao promover uma reconcentração maciça de riquezas, em escala planetária). Revelavam que suas conseqüências estendiam-se por múltiplos aspectos da vida humana (multiplicando a velocidade do aquecimento da atmosfera terrestre ou do desaparecimento de idiomas).

Ainda mais importante: se a globalização era fruto de decisões políticas, outras decisões, de sentido oposto, poderiam interromper ou inverter tendências. Le Monde Diplomatique envolveu-se, no plano intelectual, em todas as campanhas que marcaram a emergência da sociedade civil planetária. Em 1997, ao descrever as conseqüências sociais dramáticas das crises financeiras asiáticas, propôs, como antídoto, a mobilização internacional dos cidadãos contra a ditadura dos mercados – num texto que viria a estimular a fundação do movimento ATTAC. Em 1998, seus artigos sobre do Acordo Multilateral sobre Investimentos (AMI) [1] estimularam uma resposta mundial que evitou um novo ataque aos direitos sociais e ao ambiente. Em 1999, apontou os riscos de mais uma rodada de “liberalização” do comércio promovida pela OMC; e viu nos protestos de Seattle (EUA), que desfizeram a ameaça, como sinal da “emergência de um contra-poder mundial”. Em 2000, a redação do jornal foi o local onde um grupo de brasileiros apresentou, pela primeira vez, a idéia de organização de um Fórum Social Mundial [2].

Le Monde Diplomatique só pode desempenhar um papel tão destacado na construção de uma cidadania planetária porque sempre recusou a condição de panfleto. Num mundo em que se proclama a inexistência de alternativas – e se procura, portanto, reduzir dos cidadãos a espectadores da História –, nada mais transformador que valorizar e construir, na prática, o direito à informação, à comunicação, ao exercício de enxergar o mundo e influir em seus destinos.

... mas sempre com informação de qualidade

A edição de maio do jornal [3], disponível no site, é um exemplo deste compromisso com a informação de qualidade. Le Monde Diplomatique debate este mês temas de enorme impacto político e cultural: entre outros, a resistência à ocupação do Iraque; os sinais de esgotamento das reservas mundiais de petróleo; o comércio internacional de produtos agrícolas; a retomada da economia japonesa e a suposta universalidade da cincia ocidental Mas não o faz com argumentos superficiais, destinados simplesmente a “reforçar posições”. Oferece informações e pontos de vista que merecem ser conhecidos por todos os que se preocupam com a construção do futuro comum da sociedade e do planeta – sejam quais forem os pontos ideológicos de partida.

O texto sobre o Iraque, por exemplo, investiga a natureza da resistência à ocupação norte-americana. Detecta a presença cada vez mais forte do Tandhim, o braço iraquiano da Al-Qaeda. Vai adiante: procura explicações para a emergência de um grupo fundamentalista, num país conhecido, no mundo árabe, pelo caráter laico de suas instituições. Conclui, com base nos fatos: a “guerra contra o terror” de George Bush criou, paradoxalmente, o sentimento de solidariedade islâmica necessário para que a rede de Osama Bin Laden fosse aceita, e pudesse se enraizar, num ambiente que em outras condições lhe teria sido mortal.

Já o artigo sobre o petróleo traça um balanço extremamente preocupante entre as reservas (claramente em declínio) do combustível e seu consumo, que não cessa de aumentar. Do texto, emerge uma dúvida desconcertante, mas mobilizadora: a humanidade estará condenada a ser irresponsável, perdulária e irracional, em sua relação com o planeta que lhe serve de morada?

Num país como o Brasil, onde o oligopólio das comunicações é uma presença mediocrizante e desmobilizadora, o Le Monde Diplomatique não poderia estimular o surgimento de uma rede de colaboradores, num esforço coletivo para construir uma nova consciência do país? Esta é a principal meta das organizações e pessoas empenhadas no projeto. Nos próximos textos, você vai saber como o novo site aproxima tal objetivo; e como é possível somar-se à construção da edição brasileira.

[1] Debatido na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o AMI pretendia subordinar as ações das sociedades e governos ao "direito" das grandes corporações transnacionais, tratadas como "investidores". Tinha a forma de um acordo internacional, ao qual deveriam aderir os países interessados em se conservar atrativos para tais empresas. Segundo o texto do acordo, elas adquiriam condições jurídicas para questionar e anular decisões que, ao ampliar direitos sociais ou a proteção do ambiente, fossem vistas como tendentes a reduzir a lucratividade das corporações.

[2] O relato da reunião em que o FSM foi proposto está num texto de Francisco Whitaker a respeito das origens do Fórum.

[3] Le Monde Diplomatique é publicado mensalmente. Para acessar as edições mensais (eletrônicas) é preciso fazer uma assinatura. Outras áreas do site permanecerão abertas a todos. Temporariamente, para celebrar a reinauguração do espaço do jornal na internet, o acesso a todas as áreas está liberado.